O Tempo a Nosso Favor
/Eu não me lembro exatamente de quando foi a primeira vez que vi uma foto do Espremedor de Limão Juicy Salif, de Philippe Starck. Mas lembro que a pessoa que me mostrou me disse que era uma aranha. Ok, uma aranha com uma cara bizarramente alienígena, mas ainda assim, uma aranha.
Pois é. Não era. Era uma lula.
Bom, aqui começa a parte da história que todo mundo conhece, ou ao menos, deveria: reza a lenda que Starck estava passando férias com a família na ilha de Capraia e, enquanto degustava um prato de lula em um restaurante – e espremia um pouquinho de limão sobre a comida – , ele começou a rabiscar alguns sketches em um guardanapo. Ou era um jogo americano de papel? Bom, na verdade, não importa.
O fato é que foi lá, naquele exato instante, que o conceito para o espremedor de limão mais famoso do mundo nasceu.
Neste sentido, conceitos são particularmente curiosos: às vezes, demora uma eternidade para criá-los; outras vezes, bastam alguns segundos espremendo um pouquinho de limão sobre um prato de lula.
É aí que mora a pergunta de um milhão de dólares: será que o tempo desempenha algum papel sequer na criação de conceitos?
Como eu estou longe de ser mais inteligente do que qualquer um de vocês, por favor, sintam-se à vontade para discordar de mim (e se assim o fizerem, eu adoraria ouvir a opinião de vocês), mas minha resposta seria: sim, desempenha.
Porém, de maneira alguma estou me referindo ao tempo que passamos debruçados na conceituação em si; na criação propriamente dita.
Não. Não é dele que estou falando.
Estou me referindo ao tempo investido na aquisição das experiências de vida e do repertório necessários – e imprescindíveis – para a criação de todo e qualquer grande conceito.
Este tempo - ESSE sim - importa.
Afinal, foi das experiências de vida de Starck que nasceu o conceito do Juicy Salif, um dos objetos de design mais controversos e mais discutidos do mundo. Foi o seu vasto e incrível repertório que fez com que ele olhasse para uma lula e enxergasse um espremedor. E se há uma razão capaz de explicar por que, até hoje, essa icônica criação de Starck ainda é tema de rodas de conversa, não é por causa dos poucos segundos que ele precisou para desenhar seus sketches.
É por causa da vida inteira que ele dedicou aprimorando sua arte.
Falando em conversas, aqui começa a parte da história que nem todo mundo conhece: na página 9 do livro “Starck”, publicado em 1999 e escrito pelo saudoso Conway Lloyd Morgan (um autor internacionalmente conhecido por escrever sobre design e arquitetura), o próprio Starck afirma que a raison d’être do Juicy Salif é estimular conversas. Ou, em suas próprias palavras:
“Não é sobre ser um espremedor de limão excelente, essa não é sua única função.
Eu imaginei que este seria o tipo de coisa que um casal poderia receber como presente de casamento. Daí, quando os pais do noivo fossem visitá-lo, ele e seu pai se sentariam em frente à TV, tomando uma cerveja, enquanto a noiva e sua nova sogra se sentariam na cozinha, para se conhecerem melhor.
“Olha este presente que nos deram”, diz a noiva.
E assim, do nada, elas começam a papear.”
Se esta era a sua intenção, Sr. Starck, então missão cumprida: pois cá estamos, 30 anos depois, ainda batendo altos papos sobre sua criação.
Bravo Monsieur.




