A Artista Conceitual

Esta é a parte um de três sobre a história do logo criado por Paula Scher para o Citigroup

Todo mundo que curte design gráfico conhece a história sobre o famoso sketch da artista Paula Scher. Ou, pelo menos, deveria.

De toda forma, para aqueles que nunca ouviram falar, é sobre como a incomparável rainha do design, Paula Scher, rabiscou o sketch de um logo para o Citigroup em um guardanapo, e cobrou 1,5 milhão de dólares por ele.

Também é sobre como ela fez isso em apenas alguns segundos. Ou, como ela mesma disse, de forma brilhante (e verdadeira): “alguns segundos... e 34 anos” (assunto encerrado, né?).

Porém, alguém já ouviu ela mesma contando essa história? Não a parte do “alguns segundos e 34 anos”.

Essa parte está aqui caso vocês queiram conferir. Ela realmente disse essa parte (começa no 3’40”).

 
 

Estou falando da parte de “1.5 milhão de dólares por um sketch”. Alguém aqui já ouviu essa parte da história, especificamente, vindo da própria Paula?

Ou do pessoal do Pentagram, o estúdio de design da qual ela é sócia? Ou mesmo dos executivos do Citibank? Eu mesmo não ouvi. Por isso, eu fiz o que a maioria das pessoas faria. Fui atrás. Fiz minha lição de casa. Fui buscar essa informação. E no final, morri na praia. Não encontrei absolutamente nada a respeito (vindo das fontes propriamente ditas).

Essas foram algumas das palavras que digitei na minha busca, e o número de resultados encontrados.  

“Paula + Scher + Citi + Sketch”: Aproximadamente 927,000 resultados
“Paula + Scher + Citibank + Sketch”: Aproximadamente 112,000 resultados
“Paula + Scher + Citigroup + Sketch”: Aproximadamente 175,000 resultados
“Paula + Scher + Citi + Logo”: Aproximadamente 21,700 resultados
“Paula + Scher + Citibank”: Aproximadamente 97,600 resultados

Obviamente, eu não fui além de três páginas em cada busca (essa é a minha regra. É como stalkear alguém no Instagram: vale, no máximo, três scrolls. ;o)).
O que significa que, na verdade, eu pesquisei um total de 15 páginas do Google. Bem, para mim, é o suficiente. 

Que fique claro: eu não estou dizendo que essa parte da história não seja verdadeira. Ou que não tenha acontecido. Espero que tenha.
Na verdade, espero que tenha sido até mais de 1.5 milhão de dólares!

Mas como eu não consegui encontrar um artigo ou vídeo sequer vindo das partes envolvidas que pudesse corroborar essa narrativa, para todos os fins, deste ponto em diante, sempre que eu trouxer essa parte da história à tona, será atribuindo – deliberadamente – uma qualidade de lenda urbana a ela (até porque, lendas urbanas são muito legais!).  

Ok, continuando.  

Durante essa minha jornada para ver se a anedota do “sketch de 1,5 milhão de dólares” era real ou não, eu acabei descobrindo um monte de outras coisas muito mais interessantes, tanto sobre a carreira de Scher, quanto sobre algumas de suas opiniões.

Por exemplo, eu pude aprender mais sobre sua (super interessante e revigorante) visão a respeito dos perigos do sucesso e da importância de se evitar a complacência.

“Eu acho que sucesso não leva você a lugar algum, porque quando você tem sucesso, você tende a repetir as coisas que você já sabe fazer e elas se tornam muletas terríveis. Designers, quando estão produzindo e criando coisas, não podem se apoiar em sucessos passados, porque esse é o caminho da mediocridade. Se você faz aquilo que JÁ É PERCEBIDO COMO BOM, por definição, você é medíocre”, ela contou ao ‘OnCreativity’, uma série de entrevistas curtas e informais, conduzida pelo estúdio criativo Plazm, localizado em Oregon.

Outra coisa que descobri foi que em 1998, ela foi nomeada ao The Art Directors Club Hall of Fame, juntando-se a outros monstros do design, tais como:

·       Milton Glaser (que inventou o logo “I Heart NY”)
·       Bill Bernbach (a letra “B” em DDB Worldwide, o grupo de propaganda e publicidade)
·       Lee Clow (o gênio por trás do revolucionário comercial “1984”, da Apple)
·       Dan Wieden (o pai do slogan “Just Do It”, da Nike)
·       Jim Henson (criador do “The Muppets”)

Ao seu lado, no Hall, estão outros nomes relativamente obscuros, dos quais você já deve ter ouvido falar, tais como Walt Disney, Andy Warhol, Annie Leibovitz e Issey Miyake. ;o)

 
 

O que chamou minha atenção não foi o fato de ela fazer parte do Hall. Seria simplesmente criminoso se ela não fizesse.

O que me saltou aos olhos foi o fato de – entre todos os nomes citados – ela ser A ÚNICA exaltada por sua capacidade de criar conceitos.

Aqui vai um trecho da sua descrição no ADC Hall of Fame.

“O mundo de design de Nova York se abriu para Paula Scher no início de 1970 (...)
Quando era estudante, Scher evitava design gráfico por não possuir as “habilidades de precisão” necessárias (...)
Ela também não desenhava muito bem (...) mas descobriu o que, de fato, era capaz de fazer:
CRIAR CONCEITOS e ilustrá-los com tipografia. (...)
Em 1991, Scher tornou-se sócia na filial de Nova York do estúdio Pentagram. (...)
Durante os anos que passou no Pentagram, Scher lapidou seu talento tipográfico e sua
aptidão para SOLUÇÕES CONCEITUAIS, o que resultou em uma abordagem poderosa em termos de identidade e branding”.

Coincidência ou não, foi EXATAMENTE assim que Curt Cloninger, autor do livro “Hot-Wiring Your Creative Process: Strategies for Print and New Media Designers”, chamou a proposta de logo que Sher criou para o recém-formado Citigroup – uma solução conceitual (falaremos mais sobre isso na segunda parte deste post). 

 
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Eu achei que design gráfico era sobre aprender a desenhar com nitidez e precisão. Mas descobri que não é sobre isso, mas sim, sobre ter IDÉIAS.
— Paula Scher
 

De maneira geral, Paula Scher tem deixado sua marca no mundo do design há quase meio século. Em 2017, durante uma apresentação em Berlim, na conferência de design e de web development “beyondtellerrand”, ela conversou com a platéia sobre como sua carreira evoluiu ao longo de quase cinco décadas. Você pode ouvir toda a apresentação aqui.

“Nos anos 70, eu era essencialmente uma diretora de arte conceitual. (...)
Nos anos 80, acho que eu era uma pós-modernista. (...)
Nos anos 90, eu era uma expressionista tipográfica. (...)
Daí, lá pelos anos 2000, eu virei uma minimalista. (...)
Agora, durante os anos 2010, eu me consideraria basicamente uma designer de linguagem visual, o que significa que eu crio componentes que, quando vistos coletivamente, permitem que você reconheça algo.
Eu jamais teria sido capaz de trabalhar por tanto tempo sem mudar, sem me adaptar às coisas.
Não é que eu tenha mudado a minha essência, mas eu mudei, sim, minha maneira de trabalhar”.

Ela está certa.

Na essência, Scher ainda é a mesma artista conceitual dos anos 70. A mesma pessoa que descobriu – quando ainda estava na escola – que design não era sobre saber desenhar. Ou ilustrar. Ou mesmo sobre como rabiscar um sketch. É sobre outra coisa. Ou, em suas próprias palavras:

“No quarto semestre da faculdade, eu fiz um curso chamado Design Gráfico! Eu não sabia o que era – eu achei que era sobre aprender a desenhar com nitidez e precisão (...) Mas descobri que design gráfico não é sobre isso, e sim, sobre ter idéias.”

Nós não poderíamos estar mais de acordo, Paula.

 

Sources

1. ADC Hall of Fame http://adcglobal.org/hall-of-fame/paula-scher/
2. Madame Architec https://www.madamearchitect.org/interviews/2020/7/16/paula-scher
3. Eye Magazine http://www.eyemagazine.com/feature/article/reputations-paula-scher
4. Cloninger, C. (2007). Hot-Wiring Your Creative Process: Strategies for Print and New Media Designers. Berkeley, CA: New Riders, p.38.
5. On Creativity https://www.youtube.com/watch?v=foeV4ZML55s
6. Fast Company: https://www.fastcompany.com/57935/wordsmith
7. https://www.nytimes.com/1998/04/07/news/citicorp-and-travelers-plan-to-merge-in-record-70-billion-deal-a-new-no.html
8. Clever Podcast https://www.youtube.com/watch?v=YrBTLw1yPBk
9. Design Interview 1Q: https://www.youtube.com/watch?v=0ddshhUa_VQ
10. Abstract Paula Scher Episode: https://www.youtube.com/watch?v=LCfBYE97rFk
11. https://www.6sqft.com/interview-paula-scher-on-designing-the-brands-of-new-yorks-most-beloved-institutions/
12. beyondtellerrand https://beyondtellerrand.com/events/berlin-2017/speakers/paula-scher