O Logo Conceitual

Esta é a parte dois de três sobre a história do logo criado por Paula Scher para o Citigroup

No final do último post, mencionamos o livro “Hot-Wiring Your Creative Process: Strategies for Print and New Media Designers”, escrito por Curt Cloninger.

Eu super recomendo. De verdade. O livro é super fácil de ler, traz reflexões interessantíssimas e fala sobre um dos assuntos mais complicados e intrigantes do mundo: a criatividade (que, vamos combinar, também é um dos assuntos mais legais e divertidos do mundo). Vou deixar o link aqui, caso vocês queiram baixar o pdf, ok? Porém, se vocês não estiverem com tempo ou vontade de ler a obra toda, então pelo menos gastem alguns minutinhos para ler as páginas postadas abaixo.

Mas o que há de tão imprescindível nessas páginas?

Bem, é muito simples. O livro tem um total de 254 páginas, organizadas em 10 capítulos que abordam aproximadamente 50 tópicos diferentes. Tópicos que, em maior ou menor grau, de alguma maneira, compõem a malha daquilo que conhecemos por “criatividade”. Um desse tópicos é intitulado OVERVALUE THE CONCEPTUAL. Em tradução livre, seria algo como “valorize o conceito ao máximo”. Não preciso dizer que este é o meu tópico favorito do livro, né? ;o))

Eis as primeiras palavras que o autor nos diz sobre este tópico.

“Valorize o conceito ao máximo. Se eu tivesse de dar apenas UM CONSELHO, seria esse.
O valor de um conceito é ilimitado.
— Curt Cloninger

Sério gente. Na boa. Se essas palavras não fizerem vocês quererem mergulhar nas páginas abaixo, eu não sei o que fará.

O post continua logo abaixo dessas páginas. Por ora, vou deixar vocês lerem com calma e a gente se vê em breve, ok?

Demais, né?

Bom, mas voltemos ao que Cloninger disse sobre o logo que Scher criou para o Citi.

“O Citicorp e a seguradora Travelers Group haviam passado por uma fusão, e o novo logo precisava combinar aspectos de cada uma das antigas identidades – as letras citi e o guarda-chuva vermelho do Travalers Group – de uma maneira que o resultado final não parecesse uma colcha de retalhos. Scher encontrou uma SOLUÇÃO CONCEITUAL simples para um complexo desafio em termos de design”.

Impossível de argumentar com ele. Ele está certo. Absolutamente certo. Mas a pergunta de um milhão de dólares é: o que exatamente é uma solução conceitual?

Aposto que se você fizer esta pergunta para cem pessoas, você obterá cem respostas diferentes. Na verdade, eu mesmo não tenho UMA resposta final definitiva, então, darei apenas meu humilde pitaco, ok?

Pra mim, conceituar significa simplificar as coisas para que a gente consiga compreendê-las; ou compreendê-las melhor.

Cada um faz isso à sua maneira. A minha é fazendo perguntas.

Eu pergunto.
E pergunto.
E continuo perguntando até atingir o ponto em que eu reconheço que finalmente cheguei no “X da questão”.
Quando isso acontece, as coisas se encaixam, tudo passa a fazer sentido, e eu fico em paz com o conceito em mãos.

E o X da questão, no caso do Citigroup, era que os gigantes Citicorp e Travelers Group se juntaram em uma “fusão corporativa politicamente sobrecarregada”.

Scher sabia disso.

Ela entendia que havia muitíssimo em jogo (de acordo com os jornais The New York Times e o The Wall Street Journal, a fusão foi resultado de um acordo avaliado entre 70 bilhões e 83 bilhões de dólares!).
Ela entendia que muitas pessoas estavam envolvidas nessa operação.
E ela entendia que, no que se referia à nova identidade visual do Citigroup, era dela a responsabilidade de atender às expectativas de todas essas pessoas.

Ou, como ela sabiamente afirmou no seu episódio da série Abstract, produzida pela Netflix em 2019, “design precisa levar o comportamento humano em consideração”.

Neste caso, era o comportamento de dois humanos, especificamente: Sanford Weill (presidente e CEO do Travelers Group) e John Reed (presidente e CEO do Citicorp).

 
 

“Eu sei que há pessoas na hierarquia corporativa cujas opiniões realmente valem e que são elas que vão determinar o que será feito e o que não será”, Scher disse no episódio 104 do Clever Podcast.

Em outras palavras, desde o começo, ela sabia que - ao menos internamente, para os envolvidos na transação - o logo tinha de alcançar um objetivo muito específico: ele tinha de refletir a fusão de maneira PERFEITAMENTE EQUILIBRADA.

Se você está se perguntando se ela teve êxito ou não, aqui vai um teste: dê uma olhada no logo do Citi que Scher criou (abaixo) e veja se você consegue apontar qual das duas empresas recebeu “tratamento preferencial”. Citibank ou Travelers Insurance?

Não dá pra dizer, né?  

Isso é porque Scher não só alcançou o objetivo mencionado, como o fez  com honras, usando engenhosamente a letra “t”, de Citi (que estava escrita em caixa baixa), como o cabo do guarda-chuva usado pelo Travelers Insurance. Foi uma solução excepcionalmente brilhante. E extremamente conceitual.

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Eu deixo o subconsciente assumir o controle. Assim, eu fico livre para fazer todo tipo de associação. O design demanda um estado de descontração. Se você não estiver neste estado, não consegue criar nada.
— Paula Scher

O conceito que deu origem ao logo era o de que, com a fusão, o mercado passaria a contar com um “one-stop-shop” de produtos financeiros.

De cartões de crédito e contas bancárias a seguros e investimentos, o Citigroup agora passaria a oferecer um guarda-chuva de serviços, debaixo do qual clientes teriam acesso não apenas ao expertise do Citicorp em operações tradicionais de banco de varejo, mas também à larga experiência do Travalers com seguros e corretagem.

Durante uma entrevista de 2017 com a 6sqt, um braço do website do mercado imobiliário CityRealty, a Sra. Scher afirmou que “meu objetivo é fazer com que as coisas durem”.

Dado o número de anos que o logo do Citigroup tem se mantido intacto (já são mais de duas décadas), em todo o mundo, sem uma alteração sequer, eu acho que podemos dizer que seu objetivo foi alcançado.

Existe uma razão pela qual eu acredito que a identidade de marca criada por ela para o Citigroup tenha resistido ao teste do tempo: é porque naquele dia, em 1998, quando Scher pegou aquele guardanapo e começou a rabiscar, ela não criou apenas um sketch. Ela criou um conceito.

E conceitos, como já sabemos, são atemporais.



Sources

1. ADC Hall of Fame http://adcglobal.org/hall-of-fame/paula-scher/
2. Madame Architec https://www.madamearchitect.org/interviews/2020/7/16/paula-scher
3. Eye Magazine http://www.eyemagazine.com/feature/article/reputations-paula-scher
4. Cloninger, C. (2007). Hot-Wiring Your Creative Process: Strategies for Print and New Media Designers. Berkeley, CA: New Riders, p.38.
5. On Creativity https://www.youtube.com/watch?v=foeV4ZML55s
6. Fast Company: https://www.fastcompany.com/57935/wordsmith
7. https://www.nytimes.com/1998/04/07/news/citicorp-and-travelers-plan-to-merge-in-record-70-billion-deal-a-new-no.html
8. Clever Podcast https://www.youtube.com/watch?v=YrBTLw1yPBk
9. Design Interview 1Q: https://www.youtube.com/watch?v=0ddshhUa_VQ
10. Abstract Paula Scher Episode: https://www.youtube.com/watch?v=LCfBYE97rFk
11. https://www.6sqft.com/interview-paula-scher-on-designing-the-brands-of-new-yorks-most-beloved-institutions/
12. beyondtellerrand https://beyondtellerrand.com/events/berlin-2017/speakers/paula-scher