Grand Slam

Como um super fã de tênis, alguns jogos ficarão gravados na minha memória para sempre.

Por exemplo, aquela vez em que um jovem Taiwanês-americano de 17 anos chamado Michael Chang venceu as oitavas de final do Aberto da França contra a lenda do tênis, o tcheco natrualizado americano Ivan Lendl, em 1989.
Ou quando o brasileiríssimo Gustavo Kuerten desenhou um coração no saibro de Roland Garros, após conquistar seu terceiro título do Aberto da França, em 2001.
E claro, como esquecer do dia em que o suíço Roger Federer garantiu seu 15º título de Grand Slam e sexto troféu de Wimbledon ao vencer o americano Andy Roddick em 2009?

Aquelas foram incríveis demonstrações de raça, determinação, habilidade e espírito esportivo.

Mas existe um jogo que sempre faz minha pele arrepiar, por alguma razão: a final do Aberto da Austrália, em 2012, quando o sérvio Novak Djokovic venceu o espanhol Rafael Nadal em uma batalha que durou quase 6 horas. SEIS horas. Na boa. Aquilo não foi um jogo. Foi uma briga de galo. Foi uma guerra. Aquilo foi o melhor do tênis elevado à enésima potência. 

Djokovic é um dos oito homens na história do tênis a completar um Career Grand Slam, o que significa vencer todos os 4 maiores torneios do calendário da ATP.

  1. O Aberto da Austrália, no meio de janeiro;

  2. O Aberto da França, que vai do fim de maio a começo de junho;

  3. O torneio de Wimbledon, no Reino Unido, em junho-julho e

  4. O Aberto dos EUA, entre agosto e setembro.

Ok. Tênis. Djokovic. Grand Slams. O que tudo isso tem a ver com conceitos?

Bem, na verdade, muito.

Porque os jogadores de tênis, sobretudo os de elite (Andy Murray, Roger Federer, Rafael Nadal, Maria Sharapova, Venus Williams) possuem seus logos pessoais, além daqueles que pertencem aos seus patrocinadores oficiais.

E apenas alguns meses depois desse jogo épico contra o Nadal, Djokovic alcançou mais um feito em sua brilhante carreira. Um que impressionou meu alter ego criativo tanto quanto sua vitória na inacreditável final do Aberto da Austrália espantou o fã de esporte que existe em mim: ele revelou ao mundo o SEU logo pessoal.

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E ele o fez da maneira mais irreverente, brincalhona e informal possível: postando um ivdeo no seu canal pessoal do Youtube. ;o)

O vídeo tem pouco mais de 2 minutos de duração e mostra perfeitamente o que eu quero dizer quando afirmo que “com conceitos, sempre existe um porquê”. Do significado que existe por trás do logo ao simbolismo que ele carrega, a animação explica por que certas escolhas foram feitas no processo de criação do logo, de onde veio a inspiração para se fazer tais escolhas e por que o resultado – simples e clássico – é tão incrivelmente valioso.

Eu assisti.
Assisti de novo.
E assisti uma última vez.
E foi como se o mar tivesse se aberto.

Digo isso porque aquela foi a primeira vez em que eu vi um conceito ser explicado de forma tão detalhada, mas ao mesmo tempo, tão fácil de entender. Tudo era tão lógico e racional, e ainda assim, tudo fazia tanto sentido emocionalmente. Pensamentos complexos foram expressos com clareza e simplicidade. Minhas reações foram do “sim, mas é claro, faz todo sentido!” ao “uau... sério? Por essa eu não esperava”.

Bem, até aquele momento, eu mesmo já havia feito a mesma coisa centenas de vezes: explicar conceitos para meus colegas de trabalho, vendê-los para diretores de criação e sobretudo, para clientes. Faz parte do trabalho. Aliás, sendo bem honesto, é uma das partes mais divertidas e desafiadoras do trabalho.

Mas por alguma razão, naquele instante em que assisti ao vídeo de Djokovic, parece que alguma coisa deu um clique. Fiquei com a impressão de que a galera da PRpepper (a agência que criou o logo – e o vídeo) de alguma maneira elevou o nível do jogo.

Ao fazer uso de uma montagem visual para explicar cada “porquê” que existe por trás do conceito, eles realizaram um feito muito mais grandioso, importante e significativo do que simplesmente mostrar como o logo foi desenhado ou construído.

Em apenas dois minutos:

  1. Eles mostraram como, em toda empreitada criativa, o abstrato guia o concreto.

  2. Eles mostraram todo o pensamento intangível que existe em uma entrega tangível.

  3. Eles mostraram que o que não se vê (a ideia) é geralmente mais valioso do que o que se vê (o logo)

  4. Eles foram bem sucedidos em transmitir essa ideia e comunicar este valor.

Do ponto de vista criativo, ISSO SIM é um Career Grand Slam. ;o)

Heróis

Na semana passada, escrevi sobre o papel do concepteur-rédacteur, e sobre como, na minha opinião, este cargo refere-se a dois métiers diferentes: ser concepteur é uma coisa, e ser rédacteur é outra.

Hoje, gostaria de agradecer e homenagear os excepcionais concepteurs e os extraordinários rédacteurs que definiram os níveis de excelência que eu busco atingir todos os dias.

Eu sei que jamais serei como eles. Aliás, sei que nunca nem chegarei perto de ser como eles. Quanto a isso, não há dúvidas. Mas de uma coisa eu sei: eu posso tentar. E posso trabalhar duro. E talvez, se eu fizer isso por tempo suficiente, quem sabe um dia eu não consiga – pelo menos – deixá-los orgulhosos.

E quer saber? Isso já seria bom o bastante para mim. ;o) 

Essa aqui é para os meus heróis.

 

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Dan Wieden

O pai do “Just Do It”, da Nike. Ponto final.

 
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Mary Frances Gerety

Autora do melhor slogan do século XX: “A Diamond Is Forever”.

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David Abbott

A mente por trás dos anúncios da The Economist. E o redator que eu sonho em ser um dia.

 
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Spike Lee

Fundador da Spike DDB. E um verdadeiro MAGO com as palavras.

 
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José Luiz Mendieta Filho

Foi quem me ensinou tudo que eu sei. Meu mentor.

 
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Paula Scher

A deusa do design gráfico.

 
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Rémi Babinet

É a letra ‘B” em BETC. B de Brilhante.

 
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Tinker Hatfield

Foi quem me ensinou que “um design básico é funcional, mas um design incrível sempre tem algo a dizer”.

 
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Nizan Guanaes

O Michael Jordan da publicidade brasileira.

 
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Rory Sutherland

Um pensador (o fato de também ser publicitário é meramente secundário).

 
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Pierre Lemonnier

Foi quem me ensinou que nós não vendemos produtos, mas sim, a ideia que as pessoas poderiam ter de produtos”.

 
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Ken Segall

O homem que colocou o “i” em iPhone, iPad, iPod e os todos os ‘i’s em a “importância da simplicidade”.

 
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José Zacarias

Foi quem me ensinou que “Deus está nos detalhes”. O que agravou ainda mais meu jeito perfeccionista. ;o)

 
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Lee Clow

Foi quem me ensinou que, quando feita de maneira correta, a publicidade É arte.

 
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Marcello Serpa

A lenda. O mestre de todos os mestres. Cannes deveria mudar seu nome para Serpa.

 
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Philippe Michel

Gênio. Infelizmente, partiu muito cedo. Talvez Deus REALMENTE chame os melhores dentre nós primeiro.  

 
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Washington Olivetto

Ele não é o melhor publicitário do Brasil. Ele É a publicidade do Brasil.

Concepteur-rédacteur

Não sei se já contei para vocês, mas em 2013, tive a enorme sorte de ser aceito como um dos – acho que éramos 17, se não me falha a memória – alunos a integrar o programa de Mestrado do CELSA. Situado na parte oeste de Paris, na região conhecida como Neuilly-sur-Seine, CELSA significa Centre d’Etudes Littéraires et Scientifiques Appliquées e é a Escola de Comunicação da Universidade Sorbonne.

Como eu disse, foi uma sorte enorme. Praticamente um presente dos céus. Afinal de contas, realisticamente falando, sabe quando eu iria imaginar que um dia eu teria a chance de PISAR nos corredores de uma escola dessas? Nunca. Imaginem estudar, então. Nossa, JAMAIS. Por isso, até hoje, todos os dias, sinto-me grato por ter tido essa oportunidade.

Bom, então, lá estava eu, sentindo-me um dos escolhidos de Deus, e justo quando eu imaginava que nada podia superar tamanha sorte, percebi que o ano ainda me reservava mais uma bela surpresa: através de uma amiga e colega de classe super querida, fiquei sabendo de algo chamado Journée Agences Ouvertes (JAO), que é organizada pela AACC, que significa Association des Agences-Conseils en Communication (grosso modo, trata-se de uma espécie de sindicato dos publicitários).

A Journée Agences Ouvertes, como o próprio nome diz, é um dia em que as agências de comunicação, marketing e publicidade de Paris abrem suas portas para estudantes universitários que pretendem seguir essas profissões. O objetivo é lhes dar um gostinho do “mundo real”, mostrar como uma agência funciona e, claro, abrir seus olhos e já prepará-los para o que lhes aguarda assim que eles se formarem.

Nem precisa dizer que eu agarrei essa oportunidade com unhas e dentes, né? Mesmo que eu já fosse macaco velho e já soubesse como era o tal do “mundo real” (tendo passado os 12 anos anteriores trabalhando em agências), ainda assim, fiquei super entusiasmado. Afinal, essa seria a primeira (e talvez única) chance que eu teria de visitar agências NA FRANÇA. Eu sempre fui um grande fã da publicidade francesa, então, para mim, era a oportunidade de uma vida. Eu não perderia por nada.

Esse dia foi inesquecível, por duas razões principalmente.

  1. Foi quando, pela primeira vez, ouvi falar – durante a minha visita à agência CLM BBDO – de um cara chamado Philippe Michel. Ele é a letra ‘M” no CLM BBDO. Sim, aparentemente, essa é uma das vantagens de ser fundador de uma agência: você pode se tornar uma inicial... ;o). Enfim, esse cara se tornou um exemplo para mim. Já contei sobre isso aqui.

  2. Bom, e a segunda razão, que mudou minha vida por sinal, é a seguinte: foi quando eu descobri que em francês, se você for um redator, o seu cargo diz: concepteur-rédacteur.

Meu queixo caiu. E minha mente explodiu.

Porque até aquele momento, apesar de eu sentir intuitivamente –  e saber empiricamente –, que a conceituação representava a parte mais importante do trabalho de um redator (sintam-se à vontade para discordar, gente), essa nunca pareceu ser a impressão que a maioria das pessoas da nossa indústria tinha. E se era, até onde eu sei, ninguém tinha o costume de expressá-la em voz alta (como eu fiz tantas vezes).

Não vou mentir pra vocês: como redator que sou, a sensação que eu tive ao ver meu cargo sendo descrito de forma tão precisa e exata – pela primeira vez –  foi de redenção. Para mim, concepteur-redácteur não deixa margem para dúvidas: como redatores, nosso trabalho é PENSAR. Para então, e somente então, escrever.

E por que isso mudou minha vida?

Porque me deu permissão (e confiança) para quebrar e me livrar de uma mentalidade extremamente incorreta e prejudicial: a de que o trabalho de conceituar e o de escrever são inextricavelmente um, como duas metades de uma laranja, e como tal, só podem existir em uníssono.

Isso não é verdade. Nunca foi. E nunca será.

Mas se isso não é verdade, então por que a versão mais amplamente aceita é aquela que diz que a redação publicitária é uma combinação indivisível entre pensar e escrever? E por que a ideia de separá-los parece tão absurda? 

Meu palpite é o seguinte: porque para que haja um pagamento (por parte do cliente), é preciso que haja uma entrega (por parte da agência). E por alguma razão, em todas as indústrias, em todos os mercados, desde o início dos tempos, convencionou-se que entregas devem ser concretas. Tangíveis.

No caso da redação publicitária, isso quer dizer o texto. O título. O slogan. A chamada. As palavras.

Da forma que o mercado publicitário funciona hoje, todo trabalho de pensamento, reflexão e abstração imprescindível para a redação dessas palavras parece não contar. Independente de quão genial seja a ideia, infelizmente, ela só será vista como uma entrega uma vez que for expressa e apresentada em palavras, quando for redigida.

Pessoalmente, eu não concordo com esse jeito de enxergar as coisas. Nunca concordei. E não foi por falta de tentar. Juro: eu tentei concordar. Tentei compactuar com as regras vigentes da nossa indústria. Tentei aceitar as convenções. Mas sempre falhei de maneira monumental. Até hoje, minha convicção continua a mesma que sempre foi, desde que eu era um estudante na faculdade: na redação publicitária, sempre existem DUAS entregas.  

  1. O conceito (fruto do trabalho de pensar)

  2. O texto que nasce desse conceito (fruto do trabalho de escrever)

E AMBAS devem ser financeiramente remuneradas. 

Eis uma história que eu gostaria de dividir com vocês. Aconteceu um dia quando eu fui conversar com uma diretora de arte para avisá-la de que a agência acabara de ganhar uma nova conta e que iríamos trabalhar juntos nessa conta.

Eu: Você ficou sabendo? A agência ganhou uma nova conta. E parece que nós seremos a dupla de criação responsável por essa conta!
Ela: Eba! Que notícia boa! Qual conta?
Eu: Uma conta global.
Ela: Ahh, legal. Então, isso quer dizer que teremos apenas de adaptar a campanha global para o Brasil?
Eu: Não. Poderemos criar um conceito novo!
Ela: Ahhhhh... Sério? Eu detesto conceituar...

(Pausa dramática)

Eu: Hmmm... Desculpa. Como é que é? Você o quê...?
Ela: Eu não gosto de criar conceitos.
Eu: Mas essa é a parte MAIS LEGAL do nosso trabalho! Criar. Conceituar. Construir um mundo completamente novo do nada! Essa é a melhor parte! Como você não gosta?
Ela: É. Mas não. Não curto. Gosto da parte de executar.

Por mais surpreso que eu tenha ficado na hora, em retrospecto, aquele momento se revelou uma epifania. Porque foi lá, naquele instante e lugar, que eu descobri que nem todo criativo gosta do processo de ideação ou se destaca no processo de conceituação.

Eis as outras lições que tirei daquele diálogo.

  • Aprendi que alguns de nós são incrivelmente bons em criar conceitos, mas não são particularmente os melhores na execução.

  • Aprendi que alguns de nós sofrem – sofrem de verdade – quando têm de conceituar, mas amam e são extremamente bons em executar.

  • Aprendi que alguns de nós são imensamente talentosos em ambos (ok, talvez ELES sejam os escolhidos de Deus...;o))

Este é o tipo de coisa que, uma vez que você vê, não pode mais não ver. Então, comecei a pensar. Talvez quando os franceses dizem concepteur-rédacteur, é mais ou menos como se nós disséssemos compositor-cantor. Lembra que no post passado falamos da Alicia Keys? Ela é uma compositora (ela cria a música, escreve as letras, compõe a melodia) e uma cantora (ela executa tudo isso).

E embora neste caso estejamos falando de uma artista – uma artista excepcional, por sinal – que consegue desempenhar ambas as tarefas, nós também sabemos que cantar e compor são métiers diferentes. Claro, eles quase sempre estão juntos. Claro, você sempre os vê lado a lado. E claro, eles se complementam. Mas no final, todos nós compreendemos que se trata de dois métiers diferentes.

Existem pessoas que se sentem mais confortáveis compondo. E tudo bem.
Existem pessoas cujas habilidades favorecem a arte de cantar. E tudo bem também.
E daí, existem pessoas como a Alicia Keys. E neste caso, tudo ótimo. ;o))

A indústria da música entendeu faz tempo que o segredo não é encontrar aquele artista raro que consegue fazer as duas coisas. O segredo está na colaboração. Pense comigo: os álbuns mais incríveis, as canções mais icônicas, as trilhas mais atemporais e as músicas mais inesquecíveis. Todas elas foram e continuam sendo fruto de um trabalho de colaboração entre artistas, cada um fazendo o que faz de melhor.

Espero que um dia, em um futuro próximo, a indústra de comunicação, publicidade e marketing siga esses mesmos passos. E quando esse dia chegar, espero estar vivo para ver algum estudante na França (ou em qualquer outro lugar do mundo) ter a chance de escolher entre três opções de carreira, ao invés de apenas uma.

Tornar-se concepteur-rédacteur.
Tornar-se concepteur.
Tornar-se rédacteur.

E se por acaso ele ou ela decida optar pela alternativa 2, espero que eles considerem se juntar a mim (na minha versão idosa e decrépita) nessa insana, linda e divertida jornada rumo ao mundo conceitual. ;o)