Pensamento Conceitual

Em abril de 2018, reencontrei uma amiga das antigas. Nós nos cruzamos sem querer na frente de um café, e como é de praxe nessas situações, emendamos aquela conversa do tipo “e aí, o que você tem feito?”,como está a família?”, etc.

Do meu lado, contei que estava me preparando para encarar um vôo solo e me dedicar inteiramente ao trabalho de conceituação. Quando chegou a vez dela de me contar as novidades, ela me disse que estava aplicando para uma vaga em um mestrado ou um doutorado, algo assim. Não me lembro exatamente.

Mas eu me lembro perfeitamente sobre o que ela pretendia falar na tese dela: tinha a ver com Inteligência Artificial, sobretudo do ponto de vista do autor, inventor e futurista americano Ray Kurzweil, que escreveu o livro “How to Create a Mind: The Secret of Human Thought Revealed”.

ray kurzweil.png

Esta foi a obra que minha amiga decidiu usar como base para sua tese. Neste livro, Kurzweil aborda conceitos como singularidade, fala sobre algo chamado neocortex (aparentemente, é algo que faz parte do nosso cérebro) e discorre sobre as origens da consciência.

Não entendeu nada? Bom, então, bem-vindo ao clube. Eu também não. ;o)

Mas foi a partir dessa conversa que passei a prestar mais atenção ao meu redor, para então perceber como Inteligência Artificial se tornou um assunto corriqueiro e quase onipresente nas rodas de conversa. Agora, tudo é A.I., tudo é machine learning. Honestamente, eu não curto muito falar sobre esse assunto. Não porque não me interesse. Pelo contrário. Eu acho fascinante.

Mas é porque me assusta. De verdade. E não tenho nem vergonha de admitir. Eu não sei apontar uma razão específica, mas acho que é porque a galera da minha geração cresceu assistindo a filmes que abordavam a tal da “Rebelião das Máquinas” de um jeito mega sombrio e super desesperançoso.

Eu lembro como se fosse ontem de quando assisti ao primeiro Blade Runner (1982, de Ridley Scott), ao primeiro Exterminador do Futuro (1984, de James Cameron), e bem depois, ao primeiro The Matrix (1999, dos irmãos – atualmente irmãs – Wachowsky).

Se vocês assistiram a esses filmes, sabem do que eu estou falando: ninguém merece viver num mundo regido por máquinas, né? Pelo menos na visão cinematográfica de Hollywood, esses mundos são sempre distópicos, estéreis e insuportavelmente desoladores.

Então, acho que é por isso: esses três filmes consolidaram em mim a convicção inabalável de que criar uma máquina mais inteligente que um humano não é exatamente a melhor das ideias. ;o)

Bom, se o meu medo está pautado no que eu vi em filmes de ficção científica, existe um outro medo que quase todo mundo tem, muito mais real e palpável, e que de ficção não tem nada: o do desemprego. Não é supresa para ninguém que as máquinas decididamente substituirão as pessoas nas mais diversas atividades profissionais. Esse dia não vai chegar. Ele já chegou: já existem URAS operadas por inteligência artificial substituindo pessoas que trabalhavam em Call Centers.

Mas felizmente, nem tudo está perdido. Pelo menos é o que diz o Taiwanês Lee Kai Fu, considerado por muitos o papa da Inteligência Artificial. Segundo ele mesmo diz (e já vimos neste post), há certas coisas que as máquinas jamais serão capazes de fazer, independente de quão inteligentes sejam. E uma dessas coisas é pensar conceitualmente (você já devia estar se perguntando o que todo esse papo tinha a ver com conceitos, né?).

Foi aí que me ocorreu: será que as pessoas sabem o que significa pensar conceitualmente? Como se define pensamento conceitual? Bom, eu tenho a minha própria definição, que possui base totalmente subjetiva e empírica. E por isso, tem grandes chances de não ser a definição correta. Pode até ser UMA definição correta. Mas talvez, não A correta.

Por isso, fui pesquisar na Internet. Buscar outras fontes. Surpreendentemente, 100% das definições que encontrei eram respostas a perguntas como “como o pensamento conceitual ajudará os líderes de amanhã?”, ou “como pensar conceitualmente ajuda a desenvolver a sua carreira?” Coisas assim. O que prova que as pessoas estão, de fato, querendo desenvolver este talento para conseguirem sobreviver à onda do A.I, que além de inevitável, parece ser irreversível.

De todas as definições que encontrei, acho que vale a pena dividir cinco. São elas:


O pensamento conceitual é a prática de se conectar idéias abstratas e díspares para aprofundar a compreensão, criar novas idéias e refletir sobre decisões anteriores para, assim, melhorar os resultados futuros.
— Do site americano de busca de emprego e recolocação profissional Indeed

Pensamento conceitual é enxergar o “big picture”; é uma propensão para pensar em horizontes de longo prazo.
— Da revista americana de negócios Inc.

Pensadores conceituais têm uma compreensão astuta de por que algo está sendo feito.
— Do programa de desenvolvimento de liderança The Complete Leader

O pensamento conceitual consiste na capacidade de encontrar conexões ou padrões entre ideias abstratas e, em seguida, juntá-los para formar uma imagem completa.
— Da revista americana de negócios Forbes

Ter pensamento conceitual significa que, quando um novo projeto cai no seu colo, você não arregaça as mangas e sai fazendo. Em outras palavras, você tem um forte desejo de entender o “porquê” de cada projeto.
— Da plataforma de desenvolvimento pessoal e profissional Fingerprint for Success

No que diz respeito ao pensamento conceitual, para mim, todas essas definições trazem um quê de verdade. E sou o primeiro a dar a mão à palmatória e reconhecer que me vi em todas elas.

  1. Na incapacidade de enxergar apenas “um pedaço” da situação, e na tendência a sempre enxergar o todo.

  2. No movimento quase involuntário de sempre querer me aprofundar nos assuntos, buscando mais conhecimento.

  3. Na facilidade (que eu juro que não sei de onde vem) em criar conexões e fazer associações entre ideias, pensamentos e conceitos que, a princípio, não têm absolutamente nada a ver um com o outro.

  4. Na relação de causa e efeito que existe entre refletir sobre decisões anteriores como forma de melhorar resultados futuros.

  5. E sobretudo, na desesperadora necessidade de entender o porquê de tudo. Sério: de T-U-D-O (o que, admito, torna a minha vida - e a dos meus amigos e familiares -, MUITO mais difícil. Sorry, pessoal!… ;o))

Todos esses pontos, em menor ou maior grau, aparecem quando estou pensando conceitualmente. Mas se fosse para escolher qual deles é o mais prevalente, eu diria que o ponto número 5 é o que mais fala comigo. É também o que melhor reflete a minha própria definição de pensamento conceitual, que eu – humildemente – gostaria de dividir com vocês abaixo.

Para mim, pensar conceitualmente nada mais é do que pensar no porquê das coisas.

Se você acompanha este blog desde o começo, primeiro… queria dizer muitíssimo obrigado! Segundo, já deve saber que com conceitos, tudo tem um porquê. Já repetimos isso tantas vezes aqui que essa frase já virou quase que um mantra. Porque é verdade. Querem ver um exemplo?

Ontem, conversando com uma amiga super querida por WhatsApp, ela me contou que comprou uma camiseta com a estampa da cantora americana Nina Simone. Essa daí que estou colocando abaixo.

Ao me mandar a foto da camiseta, tivemos a seguinte conversa sobre como ela (essa minha amiga) estava começando a pensar e a enxergar as coisas conceitualmente: 

Ela: Bati o olho nessa camiseta e pensei no conceito...hahaha
Ela: essa é Nina Simone
Ela: achei bem criativa, o “Be Free” no cabelo dela
Ela: olha o que vc esta fazendo comigo.....hahaha

Eu: Nao eh???
Eu: MARAVILHOSO!!!!!!!
Eu: Nao eh maravilhoso quando a gente comeca a enxergar essas coisas?

Ela: é bem legal, nunca tinha parado pra ficar pensando nisso

Eu: Nao eh legal?
Eu: Eu amo
Eu: Acho incrível
Eu: Que a liberdade

Ela: eu comprei essa camiseta porque achei criativa...hahaha

Eu: Esteja no cabelo da Nina Simone
Eu: Algo que é tão poderoso: o cabelo dos negros.
Eu: Nossa
Eu: Achei demais
Eu: Cheio de significado

Ela: exatamente isso, ela foi uma ativista pelos direitos dos negros
Ela: então, tem muito significado

Uma conversa completamente trivial... mas, para mim, hiper conceitual. Afinal, estávamos discutindo os porquês da estampa. O porquê do designer escolher passar a mensagem justamente dessa forma que vocês estão vendo na imagem. Vamos combinar: havia infinitas outras maneiras de se passar a ideia do “grito pela liberdade”. Mas o artista que criou a estampa escolheu passar dessa maneira.

Por quê? (1)

O contexto certamente tem a ver com isso. O fato de Nina Simone ser ativista pelos direitos dos negros. O fato de ela mesma ter sido vítima de preconceito racial. Essa maneira de traduzir todas essas ideias em uma única imagem traz nova profundidade para a estampa. Existe uma conexão entre a imagem de um penteado afro e a força, talento, resiliência, criatividade e individualidade da cantora Nina Simone.

Podemos ir além nos porquês. Por exemplo, de tantos penteados que a cantora desfilou ao longo de sua carreira, por que (2) escolher o penteado afro?  



Talvez seja uma referência a um show que ela fez na Holanda, em 1965, em que ela abre a canção Four Women (do álbum Wild is the Wind) dizendo:

“My skin is black, my arms are long.
My hair is woolly, my back is strong.”

E continua, enquanto passa a mão gentilmente em seu próprio Afro:

“And one of the women’s hair,” ela diz, “is like mine.”

Que coisa mais linda, não?

Eu nem sei se essas minhas especulações estão nos levando às respostas certas. Mas sei que quanto mais eu pergunto “por quê”, mais eu me aprofundo no assunto, mais contexto eu ganho, mais conhecimento eu adquiro, mais conexões consigo fazer e, se eu eventualmente encontrar respostas para esses todos esses “por quês”, mais preparado e equipado estarei para dá-las.

Falamos do penteado Afro de Nina Simone. Perceberam como as cores da estampa estão em “negativo”, de forma que os detalhes do seu rosto são delineados na parte “vazada” da imagem, dando ainda mais destaque para o preto de seu cabelo? Por que (3) será?

Bom, quem sabe o artista que desenhou essa estampa estivesse ouvindo à canção “Black Is The Color Of My True Love’s Hair” do álbum Nina Simone at Town Hall, de 1959, durante o processo criativo. Ou talvez ele tenha feito isso para ressaltar ainda mais as palavras que compõem a mensagem, o call-to-action: “Be free

Aliás, falando nisso, por que (4) justamente essas palavras: “be free”? Por que não “Be strong”? Por que não “Be brave”?

Meu palpite é porque se trata de uma referência à canção “I Wish I Knew How It Would Feel To Be Free”, do álbum Silk & Soul, de 1967. Porque essa canção foi usada como hino do Movimento dos Direitos Civis nos EUA dos anos 60. Não à toa, o box que apresenta a carreira completa de Nina Simone (composto por 3 CDs e 1 DVD) chama-se “To Be Free: The Nina Simone Story”. E porque é uma homenagem à definição que a artista deu para liberdade, em uma entrevista de 1968: “I’ll tell you what freedom is to me: freedom is NO FEAR!”.

nina simone no fear.png

Lee Kai Fu afirmou neste post que a Inteligência Artificial nunca será capaz de fazer dois tipos de trabalho:

1)     aquele que requer criatividade, estratégia e pensamento conceitual.
2)    aquele que requer compaixão, empatia e conexão humana. 

Com isso em mente, agora, vamos ao maior dos porquês: por que (5) Nina Simone? De tantos personagens, de tantos ícones, por que criar uma estampa com o rosto dela?

Eis algumas das minhas hipóteses do porquê por trás da escolha de Nina Simone.

Nina Simone, a artista, respirava criatividade. Acho que não precisamos nem entrar neste quesito, né?

Nina Simone, a ativista, usou os palcos para dar voz ao movimento dos direitos civis. Na real, se isso não é brilhante como estratégia, eu não sei o que é.   

Nina Simone, o ser humano, foi talhada para ser uma figura questionadora desde criança. De Muriel Mazzanovich (sua professora de piano) a Lorraine Hansberry (que a apresentou às ideias de Marx e Lênin) a Betty Shabazz (esposa de Malcolm X), sua trajetória foi pontuada por pessoas que a estimularam a pensar nos porquês que existiam por trás do Zeitgeist que pulsava na sociedade da época.   

Em termos de compaixão, empatia e conexão humana, sugiro que vocês assistam ao documentário “What Happened, Miss Simone?”, de 2015. Em um determinado trecho, somos convidados a participar de um show que ela fez, em Paris, quando passava pelo pior momento de sua carreira (que coincidiu com o mesmo momento em que sua saúde começou a sofrer). 

Tocando em um café minúsculo, para um público menor ainda, sendo paga míseros USD 300 por noite (para alguém de seu talento e genialidade), ela começa o show perguntando, em francês (uma clara demonstração de empatia): “Est-ce que vous parlez anglais?” (vocês falam inglês?).

Diante da resposta negativa, ela começa o show cantarolando: “Vous êtes seul, mais je désire être avec vous” (Você está sozinho, mas eu desejo estar com você). Pelo menos aos meus olhos, alguém que mesmo em seu pior momento – pessoal e profissional – faz questão de reconhecer e diminuir a solidão alheia é alguém que transborda compaixão e desejo por conexão humana.

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Por tudo isso, imagino que o artista tenha escolhido a cantora americana para aparecer na camiseta. E a verdade é que a gente podia ter visto a imagem e ter apenas pensado: “uau, que estampa bacana”. Ou ter olhado o desenho e ter simplesmente pensado “que estampa linda”. E ainda assim, estaria tudo certo. A estampa, afinal, é linda e super bacana.

Mas ao pensar conceitualmente sobre ela, ao pensar nos porquês que levaram à criação dessa estampa, fomos além.

Inevitavelmente nos aprofundamos no assunto, descobrindo mais sobre a carreira de Nina Simone, sobre a vida dela, encontrando algumas respostas aqui e ali, mas sobretudo, chegando a uma conclusão definitiva, irrefutável e inatacável: a de que nenhuma máquina, não importa o quão inteligente ela seja, será capaz de criar o que Nina Simone criou. De fazer o que ela fez. De nos emocionar como ela ainda nos emociona. Nunca. Jamais.

Quem diz isso não sou eu. É Lee Kai Fu.

Eu super concordo. E vou além. Para mim, não há (nem nunca haverá) máquina e nem tampouco ser humano que seja capaz de se igualar à artista ou reproduzir o legado de Nina Simone. Aos meus olhos, isso está mais do que óbvio! Mas eu não sou o dono da verdade, né? Alguns de vocês podem não concordar comigo.

E se este for o caso, então só posso pedir para que repensem sobre o assunto.

De preferência, conceitualmente. ;o) 

Neon Genesis Evangelion

Sabem aquele primo de quem falei neste post aqui? O historiador? No dia 09 de junho de 2020, em plena pandemia, 2 dias depois do meu aniversário, ele me manda a seguinte mensagem, me chamando pelo meu apelido de infância “fu”:

Ele: ow fu
Ele: se liga nesse video, agora deu para eu começar a entender com o q vc trabalha
Ele: quem diria que iria descobrir um pouco mais do seu trampo num video de anime

Quando ele fala do meu “trampo”, ele se referia ao trabalho de conceituação.
E quando ele fala sobre o vídeo, trata-se de um dos episódios do canal mimimidias, em que o designer Leonardo de Oliveira analisa o design da série de anime japonês Neon Genesis Evangelion, criado pelo cineasta e animador Hideaki Anno em 1995. 

Eu nunca tinha nem sequer ouvido falar dessa série até aquele momento. Meu conhecimento sobre animes japoneses era hiper limitado, composto por apenas 3 filmes: Akira (1988, de Katsuhiro Otomo), Ghost In The Shell (1995, de Mamoru Oshii) e A Viagem de Chihiro (2003, de Hayao Miyazaki).

Naturalmente, pedi para ele me contar um pouco sobre a série Neon Genesis Evangelion. Eis que o seguinte diálogo se desenvolveu:

Ele: Vc devia assistir esse anime
Ele: Se vc tiver tempo
Ele: Gosta de ficar entediado e triste ao mesmo tempo
Ele: Recomendo
Eu: hahaha
Eu: demorou
Ele: Kakaka

(Meu primo tem um humor meio esquisito. Mas por alguma razão, para mim, super funciona. ;o))

Eu: eu curto anime
Eu: mas não acompanho muito, não sei por que
Ele: tem no netflix
Ele: E na moral
Ele: Não vou dar spoilers
Ele: Mas acho q os últimos 2 episódios
Ele: Vão mudar sua vida
Ele: Mano
Ele: Vc q é um cara sensível
Ele: Vai sair tocado dos 2 últimos episódios
Ele: E da última cena

neon genesis evangelion 3.jpg

A partir desse ponto, ele começa a se aprofundar e dar um pouco mais de detalhes sobre a série, e palavras como “sentido”, “mensagem”, filosófica” começam a aparecer na conversa.

Ele: Vou falar
Ele: Eu comecei a assistir pq queria ver uns robôs batendo em kaiju
Eu: HAHAHAHAHAHAHAHAHA
Ele: Eu saí procurando consultório de terapia
Ele: O bagulho é outro
Eu: HAHAHAHAHAHAHAHAH
Ele: Fiquei em crise existencial por uns 3 dias
Eu: Hahaha
Ele: Os últimos 2 episódios mano
Ele: Vc vê pela primeira vez e não entende nada
Ele: Mas aí vc pensa no sentido da mensagem
Ele: É muito triste e muito esperançosa ao mesmo tempo
Eu: pô
Eu: demorou!!
Eu: mas não entendi. o que é? É um seriado? É um filme?
Ele: É uma série
Eu: ahhh tah
Eu: fechou
Ele: Onde monstros estão lutando contra humanos
Ele: Só vou falar isso
Ele: Mas o drama
Ele: Tem uma espinha dorsal filosófica muito forte
Ele: O dilema do ouriço
Ele: Só isso q vc tem q saber

neon genesis evangelion 2.jpg

Agora, eu é que queria saber mais e ir ainda mais fundo.

Eu: dilema do ouriço? What the hell is that? hahaha
Eu: mano
Ele: Tem vários simbolismos, vários nexos religiosos, mas isso não eh central
Eu: conversar com vc eh food for thought for daaaayyyys homie
Ele: só o dilema do ouriço que eh o cerne
Eu: hahahaha
Eu: demorou

Neste momento, meu primo dá uma pausa, vai no Wikipedia, e manda o seguinte para mim.

Ele: The hedgehog's dilemma, or sometimes the porcupine dilemma, is a metaphor about the challenges of human intimacy. It describes a situation in which a group of hedgehogs seek to move close to one another to share heat during cold weather. They must remain apart, however, as they cannot avoid hurting one another with their sharp spines. Though they all share the intention of a close reciprocal relationship, this may not occur, for reasons they cannot avoid.

Ele: basicamente, é que nos torna humanos. É o que nos causa dor e sofrimento
Ele: mano, vou parar de falar
Ele: vai estragar a série para vc
Eu: ahhhhh tô ligado! não conhecia por esse nome. saquei!! demorou!!! vou ver muito essa série!

Ele: neon genesis evangelion de 1995
Ele: não baixa o errado, não
Ele: tem filmes e reboots
Eu: tah
Eu: neon genesis evangelion
Eu: bom
Ele: não fica triste tá
Ele: tudo se resolve no final
Eu: isso que eu ia falar mano
Eu: do jeito que eu sou
Eu: se eu me matar depois
Eu: já sabe de quem foi a culpa
Ele: eh então
Eu: vou deixar uma carta pra vc
Eu: hahaha
Ele: se vc terminar
Ele: vc vai sair com muito mais vontade de viver
Ele: kkkakkaa
Ele: mas tem q chegar no final
Eu: e na carta vai estar escrito apenas: WWWWWHHHHHYYYYYY???????
Ele: kkaskkksakaksks
Eu: HAHAHA

Isso é o que ele tinha para me falar sobre a série Neon Genesis Evangelion. Extremamente instigante. Como eu mencionei na conversa, essa série tem cara de ser praticamente um rodízio all-you-can-eat de food for thought.

Mas pra falar a verdade, considerando que eu – de fato – sou um cara sensível demais, com a pandemia e esse monte de notícias tristes e pesadas às quais somos expostos todos os dias, confesso que não tive muita coragem de mergulhar na série. Acho que minha cabeça não ia agüentar a porrada.

Motivo pelo qual, ao invés disso, preferi assistir àquelas comédias românticas que sempre costumam passar na época de Natal, sabem? Aquele tipo de filme em que tudo acaba bem, mega água com açúcar e que você já sabe como vai terminar a partir do primeiro segundo da primeira cena. Mas definitivamente, Neon Genesis Evangelion está na lista.

Bom, eu posso ainda não ter assistido à série, mas definitivamente assisti ao vídeo que meu primo enviou (abaixo). E compreendi por que ele disse que finalmente começou a entender melhor com o que eu trabalho. Compreendi o motivo pelo qual ele disse que descobriu um pouco mais sobre o “meu trampo” de conceituação.

Em um determinado intervalo do vídeo, de 2’08” até 3’10”, o designer Leonardo de Oliveira, ao analisar o visual da série, diz o seguinte:

Hoje a gente vai falar do design de Evangelion. Tipo, é muito fácil falar que o visual de uma obra é resultado estritamente de um lapso criativo – de um dom –, de um dado artista, né? Mas não é bem assim. Quando a gente fala do design de algo, e no caso aqui, do Evangelion, é muito fácil as pessoas pensarem especificamente, somente, nos aspectos estéticos e visuais. Só que vai um pouquinho mais fundo. O design não para por aí.

Design é projeto. É concepção. É CONCEITO.

E é tudo aquilo que tem na ideia e que depois, culmina no aspecto visual. O visual é um reflexo de tudo aquilo que aconteceu anteriormente dentro do processo criativo. Desde um enredo até uma ideia ou um sentimento, ele (o visual) é a materialização disso tudo. O mais interessante é quando o visual nos ajuda a contar aquela história em questão e a dar a sensação que o criador tinha como intenção.

Tiro o chapéu para o Leonardo de Oliveira: esta é uma maneira muito didática de explicar o trabalho de conceituação.

Fico imaginando o que se passou na cabeça do meu primo quando ele assistiu a esse vídeo. Meu palpite é que ao ver este trecho do vídeo que acabei de transcrever, ele entendeu – racionalmente –, o que ele já havia entendido meio que empiricamente. Mesmo antes de assistir a esse episódio do mimimidias, meu primo já havia entendido que algo na série Neon Genesis Evangelion tinha deixado um impacto grande nele. Tão grande que ele praticamente “ficou em crise existencial uns 3 dias”. ;o)

Esse algo tem um nome. No diálogo que reproduzi, meu primo chamou esse algo de “sentido da mensagem”, “simbolismos e nexos”, e de “espinha dorsal filosófica”.

Mas como eu já havia dito neste post, eu não sou tão inteligente quanto meu primo.

Por isso, eu uso um nome bem mais simples. Eu chamo esse algo de...

Bom, vocês já sabem, né? ;o))

Medalha de Ouro

Na semana passada, falamos sobre como a agência PRpepper, da Sérvia, conquistou o equivalente a um Career Grand Slam no vídeo no qual explicam o processo criativo por trás do design do logo do jogador Novak Djokovic.

Neste semana, achei que seria divertido se, mais uma vez, a gente misturasse os mundos do esportes e da criatividade, só que dessa vez, abordando as Olimpíadas. Mais precisamente, o emblema criado para os Jogos Olímpicos de Paris, em 2024. 

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Criado pela agência francesa Royalties-Ecobranding, o emblema é simplesmente uma obra de arte. É sublime: traz uma certa agressividade, sem perder a elegância. É divertido, mas clássico. Cheio de atitude, e ao mesmo tempo, acolhedor. E o melhor de tudo: não foi baseado na Torre Eiffel. Ele foi inspirado em outro símbolo francês. Mas não vou dar spoilers. Assistam e vocês vão descobrir.

Agora, vamos falar sobre o vídeo que foi criado para apresentar o emblema (que pode ser encontrado no canal oficial do Comitê Olímpico de Paris 2024). Na boa, aquele vídeo poderia ser considerado uma das Sete Maravilhas do Mundo. Ok, tudo bem, nem tanto. Mas que ele é maravilhoso, isso ele é. ;o)

Ele é muito parecido com o vídeo criado pela PRpepper (embora fique claro que o de Paris contou com um orçamento de produção muito maior) no sentido em que ele explica o conceito por trás do emblema. Mas sobretudo, ao provar – mais uma vez – que com conceitos, sempre existe um porquê.

Visualmente, o ritmo acelerado e a trilha sonora poderosa mantêm nossos olhos grudados na tela. Em termos de texto, a narração cumpre impecavelmente a missão de destacar cada pedacinho de trabalho intelectual que foi necessário para desenvolver o design do emblema. O resultado é lindo e incrivelmente inspirador.

Se a PRpepper alcançou um Career Grand Slam com o logo de Djokovic, então não resta dúvidas de que a galera da Royalties-Ecobranding garantiu uma medalha de ouro olímpica com o emblema de Paris 2024.

Nossos mais sinceros aplausos para ambos!